5.400 segundos

Eduardo Vieira
4 min readMar 9, 2023

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(Eduardo Vieira — 09/mar/2023)

Hoje tive o prazer de ministrar mais uma aula livre. Não tenho nada contra resolver de forma profunda e definitiva alguns entraves de temas específicos, como cinemática, equações do 2o grau, problemas de geometria ou análise estequiométrica na química. Tudo muito bacana e com sua boa dose de utilidade. Mas quando posso agir com liberdade… “Amarrem-me, rápido, ou fechem as janelas, senão escaparei para a imensidão do céu para talvez nunca mais voltar. “

O aluno está no primeiro ano do ensino médio, em SP. A aula foi remota, e começou com um relato do jovem sobre as principais disciplinas. Essas são, por limitação curricular, matemática, português, história e física. Depois de ouvir seu resumo julguei importante falarmos sobre um assunto recorrente nessa idade, apresentado de forma criminosa 99% das vezes. A escravidão.

Discorri sobre alguns fatos, como a abrangência mundial da prática e sugeri que ele pensasse numa grande força civilizacional que tenha contido finalmente essa violência desumana. Ele foi tentando responder e eu fui dando dicas e elementos de contexto, até que ele chegou no Cristianismo. Olha a maiêutica do grande Sócrates sendo aplicada por um empolgado zé ninguém (eu, não meu aluno) 2000 anos depois. Coisa linda de lembrar. Dali seguimos para a queda de Roma, e uma explicação sobre as terminações usuais de nomes iguais, como vic nos bálcãs, vich na Rússia, sen e son entre nórdicos e saxões. Todos querem dizer filhos. Christiansen, filho de Christian. Ivanovich, filho de Ivan. E por aí vai.

O jovem aluno não tinha sido apresentado a essa pitoresca característica da nossa cultura e ficou encantado. Eu entendo, também fiquei. Conversamos sobre a conquista de Alarico e como ela se reverteu divinamente. Aqui abri um enorme parênteses para rir com ele do absurdo do nome Idade Média para chamar o glorioso Milênio Brilhante. Falei sobre a criação das universidades pela Santa Igreja e como São Tomás de Aquino circulava pelas universidades ministrando suas aulas num gigantesco intercâmbio intelectual, em plena “idade das trevas”. Expliquei a necessidade ideológica de destruir o Cristianismo e os esforços impiedosos feitos nessa direção desde o século XVII. Rimos juntos do fracasso constante da pós-modernidade regressista de se livrar de nós, cristãos. Depois, para cravar o ponto de forma indelével pedi como dever de casa uma análise pictográfica de cinco belas catedrais. Aachen, Leipzig, Salisbury, Notre Dame e o Duomo de Milão.

La Pietá, de Michelângelo

Meu jovem estudante não se recordava de ter jamais colocado os pés em qualquer uma delas. Em breve isso vai mudar, primeiro de forma visual e depois, sem dúvida de forma material. Pedi a ele que respondesse à seguinte questão, depois de se deliciar com as imagens das cinco criações do homem em seu apogeu:

“É justo dizer que houve degradação estética no período entre a queda de Roma e a Renascença?”. Ele tem uma semana para preparar a resposta.

Depois falamos um pouco de Caio Júlio, o César, e contei a sempre interessante relação entre esse título latino e o germânico Kaiser e o eslavo Czar. Aproveitei para mostrar uma bela foto da família Romanoff e narrar para ele o destino dessa família nas mãos dos vermes bolcheviques de Lênin.

Viajamos à Gália e observamos a rendição de Vercingétorix em Alésia. Vimos horrorizados os dinamarqueses fazerem seus vikings em aldeias britânicas e apresentei a ele uma pequena aldeia na Armórica, que não se curvou à dominação romana.

Expliquei fugazmente o ciclo civilizacional na Bretanha, com ênfase para o esforço de Alfredo na unificação daqueles pequenos reinos. Wessex, Nortúmbria, Mércia e Essex não serão mais surpresas para ele.

Deixei para ele a tarefa de se informar sobre o ciclo arturiano e dar uma pesquisadinha em Geoffrey Chaucer. Vai ser divertido isso. Abandonamos a ilha junto com os romanos e fomos observar o esforço de Clóvis de resistência à sua conversão inevitável.

O ancestral carolíngeo nos deixou duas belas conexões, a de Martel na Batalha de Poitiers em 732 e o grande Carlos Magno, que o jovem aprendiz já visitará ao perscrutar o interior da Catedral de Aachen.

Toda essa bela viagem ocorreu nesses preciosos 5.400 segundos. Eu diria que foi um tempo bem empregado.

Na próxima aula vamos olhar para o Islã até os conflitos de Poitiers e na Península Ibérica. Um jovem a mais para olhar Portugal com outros olhos. Dali, quem sabe para onde iremos? Para a fossa das Marianas numa carona no Nautilus? Quem sabe um pulo na Antártica com Shackleton? Um pouco de pioneirismo com Bleriot e Santos Dumont, ou vamos viajar para a Lua numa bala de canhão? É difícil saber por onde começar. Na verdade, é tudo muito incerto nessa jornada. É como disse um sábio, há muito tempo:

“É uma coisa perigosa, Frodo, isso de caminhar. Você dá um passo, depois mais outro, e quem sabe onde irá parar?”

Mas nós sabemos que o destino dessa jornada é sempre um só, depois de atravessarmos aquela tão estreita portinha. Gandalf também sabia. A jornada é belíssima mas seu final é indescritivelmente glorioso. Fiquem com Deus. ❤️

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