55 razões para amar.

Eduardo Vieira
6 min readAug 31, 2022

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(Eduardo Vieira — 30/ago/2022)

Não foi por acaso que os dois primeiros mandamentos de Deus nos comandam ao Amor. Não há força mais poderosa no universo, simplesmente. E nós, pobres, falhos e fracos, precisamos o tempo todo de lembranças dessa grande verdade.

Estou produzindo um espetáculo infanto-juvenil chamado “A Grande Jornada do Homem”, já há alguns meses. Investindo nisso tudo o que tenho, bem literalmente, na esperança de que o que faço de melhor possa ser algo benéfico para a sociedade e suficiente bom para permitir o meu sustento.

Depois da estréia, repleta de amigos que me honraram com suas visitas, a vida real de teatro começou. Sessões com 4, 10 e 15 pessoas. Como vencer isso? Com amor, claro. Amor por aqueles que lá estão para se divertir, para aprender e para se encantar com um formato inteiramente novo, totalmente original porque foi criado totalmente em casa, por mim, mais uma vez movido pelo amor de ensinar às crianças coisas relevantes para sua formação. De forma divertida, claro.

Vivendo um dia de cada vez, trabalhando com minha produtora para melhorar nosso marketing e tornar efetivos nossos esforços para encher o teatro, chegamos ao último fim de semana, mais particularmente ao sábado. O dia parecia animado, com três fileiras vendidas. Isso daria mais de 40 pessoas, um crescimento estável. Lá fui eu para São Paulo para fazer a primeira apresentação sem o suporte do meu braço direito, que ficaria em casa com a família. O amor, mais uma vez, na posição certa.

Eis que de repente o teatro aparece cheio no mapa de vendas de ingressos. Mais de 70 vendidos. O que seria aquilo? Algum erro de sistema? Talvez nossa nova estratégia tenha surtido efeito? Mas não seria possível pois incluía a troca de vouchers na bilheteria. O que seria aquele mar de gente?

Curioso mas animadíssimo com a casa cheia entrei no palco na minha deixa, abrindo os braços e enxergando pela primeira vez o teatro com 100 pessoas sentadas.

“Bem-vindos à Grande Jornada do Homem” — entoei, maravilhado com o que estava vendo. Um pequeno mar de crianças, seus uniformes laranjas alegremente colorindo o teatro, combinando com os rostinhos animados e corados, ansiosos por alguma surpresa que não conheciam mas que certamente surgiria em algum momento naquele lugar escuro e mágico.

Terminei a abertura quase sussurrando, falando diretamente no ouvido de cada um, uma promessa de uma grande e inesquecível aventura, que faríamos juntos, eu e cada um deles. Quando recuei para os bastidores já estava voando nas asas da magia dos personagens. correndo pela Grécia Antiga colorida como outrora, quando os cheiros de frutas e especiarias se misturavam aos barulhos dos vendedores e às risadas das crianças.

Dali viajamos juntos, realmente, pelos sete mares, pelos teatros ingleses e pelos campos de batalha franceses. Passamos rapidamente por Moulinsart, cutucamos a barriga de Obelix, o gaulês, que resmungou, descontente: “Barriga? Não vejo nenhuma barriga. Talvez um excesso de músculos no abdomem, pode ser. Barriga? Jamais!”

Quase derrubamos o teto do teatro no maior grito de guerra já ouvido em Perdizes, seguramente, nos últimos dois séculos.

Voamos juntos na gloriosa e heróica Batalha da Bretanha, onde pilotamos um Spitfire literalmente lado a lado, cuspindo chumbo e fogo no agressor inimigo. Beijamos a fronte dos mestres Hergé e Goscinny. Gargalhamos com a beleza do Aleluia de Händel, que por certo imprimiu sua indelével marca no senso estético de cada um dos presentes.

Suspiramos de emoção com a perícia de Guilherme Tell e a inocente coragem de seu filho, cujo amor o fez manter firme na cabeça a maçã. Ou seria uma melancia?

Disparamos um foguete, um trebuchet, um arco e alguns canhões. Declamamos Shakespeare e brincamos com a Matemática, a Física, a Filosofia e a Lógica. Que noite, senhores, que noite! Ou que tarde, pois a noite ainda viria nos abraçar em seu sossego gelado.

Ao fim dessa grande aventura, a maior das surpresas. Aquelas 55 crianças vieram de uma escola da periferia. Eram em sua maioria carentes, quase todas entrando num teatro pela primeira vez. Ouvia aquele relato da boca de uma professora e toda a grande jornada anterior ganhava outras cores. O que era para ser uma diversão caprichada se transformou num evento significativo na vida de dezenas de crianças.

O amor que se derramou sobre mim ali foi quase incontrolável. Mas Deus ainda me reservaria mais, pois Ele é incrivelmente generoso. Depois de ter me dado a chance de causar tamanho impacto na vida de tantas crianças, Ele me surpreendeu uma vez mais. A professora me disse que o evento tinha sido fomentado por um grupo de advogados, cujo nome desconhecia.

Eu logo pensei num benfeitor anônimo, mas quem seria? Precisava saber, precisava agradecer, precisava aplaudir e divulgar tamanha generosidade e bondade. A resposta veio embalada num dos maiores elogios que já recebi, que me aqueceram a alma e me fizeram ver que realmente estou no caminho certo. Disse-me a gentilíssima Rita, diretora do Colégio Criação:

Sou a professora Rita, diretora do colégio Criação. Estivemos sábado no teatro e você passou o seu contato para a Karina pedindo as fotos que tiramos.

Antes quero te parabenizar. Você sozinho conseguiu segurar a atenção das crianças.

Foi um espetáculo maravilhoso e você, sozinho, dava a impressão que tinha vários atores em cena.

Meus alunos saíram encantados. Aprenderam e se divertiram muito!

Parabéns por este dom e talento. Segurar a atenção de uma plateia lotada (a maioria crianças) não é fácil.

Parabéns mesmo!

E esta doce pessoa me enviou um monte de fotos de crianças rindo, olhos brilhando numa alegria plena e simplesmente divina. Depois ela revelou o que eu tanto queria saber. Os responsáveis por aquilo tudo tinham sido os advogados do escritório Pinheiro Guimarães.

Bem, aqui é preciso uma pequena pausa para explicação. Quando fui para a escola pela primeira vez, com meus dois ou três anos, lá encontrei um amiguinho chamado Francisco, ou Kiko, que me acompanharia por toda a vida estudantil. Seu irmão era colega do meu e nossos pais eram amigos.

O tempo passou, meu pai faleceu, nossa vida mudou para muito pior e nos afastamos um pouco. Depois, mais velhos, meu amigo Kiko foi para São Paulo e nos víamos eventualmente em reuniões raríssimas da nossa turma do Colégio Padre Antônio Vieira, onde estudamos juntos por anos, no Humaitá, no Rio de Janeiro. Ali, por sinal, sob as batutas geniais do Professor Gonçalves e do tio Ênio Werneck, um dos meus três queridos pais adotivos, aprendi o pouco que sei da arte de escrever. São milhares de histórias belíssimas, repletas do mais puro amor e carinho, um manancial de bondade e sublime riqueza de espírito que sem dúvida transbordam até hoje dos corações de muitos ex-alunos.

E lá em São Paulo, na suavidade do anonimato, meu amigo Kiko me envia um presente de valor inestimável. Uma mensagem direto dos lábios de Deus, um carinho, um abraço, um apelo, um comando. Tudo junto num pacote de incrível e transcendental beleza que só podemos chamar, mais uma vez, de Amor.

Ame, disse-me Deus, com sua voz retumbante e seu sorriso de menino. Ame mesmo, ame demais, ame para sempre e para ainda mais longe, ame seus filhos, seus irmãos, seus queridos irmãos. Meus filhos. Meus filhos queridos.

E assim foi, como sempre deve ser, como sempre é. Aquelas 55 pessoas, entre crianças e professores, todos dividindo a dureza da vida, as agruras desse vale de lágrimas, aquelas 55 pessoas são a prova de que não há nada mais belo, mais forte, mais poderoso que o Amor, essa força que é puramente divina.

Que Deus me permita continuar por muito tempo fazendo nada senão o bem, para elevar as almas sofridas daqueles que mais precisam. Que a Vênus de Milo e a beleza das catedrais góticas levem as crianças para um mundo muito melhor que esse, um mundo onde elas percebam Deus em todas as coisas e possam chamar por Ele e com Ele renascer na glória da Criação Verdadeira.

Aleluia!

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Eduardo Vieira
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