A Dança
(Eduardo Vieira — 13/mar/2023)
Um homem subiu uma escada e entrou num grande saguão. Estava acompanhado por uma mulher e eles caminharam na direção de um corredor. Passaram em frente a alguns elevadores e ao lado de uma das portas uma mãe aguardava com seu filho, que devia ter perto de 9 anos. O olhar do garoto estava perdido naquele frio templo da Alta Burocracia.
O homem seguia igualmente distraído. Seu terno elegante, porém modesto, não permitia que se adivinhasse seu intento ali.
Ele viu o garoto e num impulso, se virou bem de frente para ele e ergueu sua mão direita, num gesto de saudação. O garoto acordou de sua viagem mental e ainda confuso repetiu o gesto do homem. Este então começou a bater o pé direito no chão, erguendo bem o joelho. O garotinho o imitou, um sorriso já se formando em seu rosto. Os olhos começavam a se arregalar. Sua mãe olhava aturdida e vigilante.
O homem começou a acelerar o movimento, agora dos dois pés, fazendo uma dança cada vez mais rápida. O garoto seguiu junto com ímpeto.Os braços entraram na brincadeira, ora subindo um, ora disparando outro para o lado, acompanhando uma música inexistente. O ritmo estava frenético.
Um senhor num terno italiano atravessou o saguão em outro sentido, uma pilha de papéis nos braços, e desviou o olhar para aquela cena, uma expressão de censura e desprezo evidente em seu rosto mofado e meio verde.
Lá no fundo, despercebida, uma moça da faxina tinha parado sua vassoura para acompanhar aquela divertida e incrivelmente inusitada dança. Um grande sorriso iluminava sua face.
O homem, sem interromper o frenesi dos pés, jogou os dois braços para cima, a cabeça para trás e deu três voltas, devagar. O garoto fez o mesmo, balançando a cabeça e já às gargalhadas. A mãe tinha os olhos arregalados e a mulher que acompanhava o homem estava petrificada, estarrecida.
Ao término do terceiro giro o homem parou. O garoto parou defronte dele. O homem se abaixou e estendeu a palma de sua mão erguida para o garoto. Este tocou sua própria palma naquela do homem, num gesto de saudação e reconhecimento que ultrapassava qualquer barreira etária, qualquer diferença cultural, de fato disparava por milênios do tempo de nosso universo.
O homem se ergueu, baixou a cabeça em cumprimento à mãe do garoto e seguiu pelo corredor.
A mulher saiu do seu estado de surpresa suprema e correu para ficar ao lado dele. Incapaz de se controlar, perguntou:
“O que você estava fazendo ali?”
A resposta veio rápida, acompanhada de um marotíssimo sorriso:
“Estávamos salvando a civilização.”
O homem não notou o olhar de admiração que a mulher lhe dedicava, nem viu o rosto da mãe do garoto aparecer lá atrás na entrada do corredor. Já estava de novo distraído, seu passo, leve e animado. Em seus lábios, o mais doce dos sorrisos.