Ad Astra 2, a missão!

Eduardo Vieira
6 min readFeb 16, 2023

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(Eduardo Vieira — 16/fev/2023)

Estes dias as mentes dos que ainda usam a temível droga entorpecente da notícia da vez tiveram suas mentes povoadas por extra-terrestres. E não foram aqueles bonitinhos como o tio da Marina Silva ou os profundamente significativos como os citados por CS Lewis na Trilogia Cósmica (série excelente de livros, leiam!). Nada disso. Os ET´s dos nossos tempos são adequadamente regressistas. Não existem de fato, apesar do sempre chocante fenótipo da ex-ministra e servem exclusivamente para confundir as mentes dos cracudos. Mas a grande mérdia sempre teve essa função, não dá para reclamar. Quem usava o Jornal Nacional como crack agora está usando o Twitter, pouca diferença faz para o adicto.

Como de tudo pode-se extrair algo bom, pensei em aproveitar o tema exoplanetário para dividir com vocês meu entusiasmo por um assunto correlato dos mais interessantes: a Astronáutica.

Essa bela palavra significa a navegação entre planetas. E para que compreendamos esse processo divertidíssimo é preciso que tenhamos pela noção de alguns conceitos fundamentais.

Primeiro, que o movimento depende de referencial. Essa verdade é de demonstração enriquecedora e surpreendente. Só há movimento de um objeto em relação a um observador ou referencial. Vamos ver isso de perto.

Se eu estou sentado em um trem que viaja a 120 Km/h, para um observador dentro da cabine eo meu lado eu estarei parado, assim como ele parecerá para mim. Mas se meu observador estiver parado do lado de fora me verá zunindo por ele a 120 Km/h. E se o observador estiver vindo em sentido oposto na mesma velocidade em outro trem (trilhos separados para salvarmos Ohio) então me verá passando a 240 Km/h.

Outra forma legal de apresentar esse conceito é se usarmos o movimento de rotação do planeta Terra. Ora, tudo o que está em repouso na superfície parece parado em relação a um observador no mesmo lugar, igualmente em repouso. Mas se olharmos de fora do planeta veremos que cada um de nós, dependendo da nossa latitude, estará chispando pelo espaço na incrível velocidade máxima de 1670 Km/h.

Para calcular esse número usamos o raio da Terra (aproximadamente 6400 Km) e o multiplicamos por 2xPI -> 6400 x 2 x 3,1415 = aproximadamente 40200 Km, que é o perímetro aproximado do planeta. Seria o tamanho de um cinto suficiente para apertar a barriga do nosso esferóide favorito. Depois dividimos por 24 horas, que é o período de cada rotação e temos o valor final.

Imaginem vocês que mesmo aquela vovozinha tricotando, sentada em sua bergére favorita, está na verdade numa louca viagem pelo espaço, só sendo salva pelo extraordinário sincronismo dos seus arredores, promovido pelo princípio da inércia. Agora tentem imaginar o que ocorreria se freássemos subitamente o planeta? Armagedom!

Então entendemos o conceito de movimento e referencial e de quebra ganhamos a vital noção da fragilidade e insegurança de nossa própria existência. Nieztsche estaria arrancando os bigodes mas ele que se vire. Eu sou católico, acredito em Deus e fico muito tranquilo aqui em Sua mão.

O outro conceito vital é o de órbita propriamente dita. O que vem a ser isso? Bem, é difícil entender sem mostrar mas vou tentar. Imaginem que uma mesa é o planeta. E você solta uma borracha acima da mesa. A borracha vai cair na mesa, obviamente. Mas se voce der na borracha uma pancada horizontal com força suficiente a borracha vai cair fora da mesa, correto? A borracha vai “errar” a mesa, caindo no chão ao lado desta. Mas antes que a borracha atinja o chão, imaginem que tudo girou. A mesa ficou de lado e a borracha está novamente acima da mesa, pois estava paralisada no ar do seu lado, antes da rotação. Como a força da gravidade da mesa (representando aqui a Terra) puxa sempre a borracha para o centro do planeta, ela poderia então acertar a mesa dessa vez. Mas e a pancada tiver sido suficiente ela vai ter suficiente velocidade horizontal para errar a mesa mais uma vez. E assim vamos girando a mesa e a borracha e vamos sempre errando a mesa. Na figura temos setas vermelhas para a gravidade e setas escuras para a velocidade “horizontal” do objeto.

Esse movimento de queda contínua em um planeta e que sempre erra o planeta chama-se órbita. :)

Um interessante elemento a se observar é que nesse mundo espacial pode parecer que não há referenciais como “cima” e “baixo” mas na prática é muito comum que os planetas de um sistema orbitem num mesmo plano, chamado de plano orbital. Toda vez que um objeto de aproxima de um corpo celeste de massa significativa ele é atraído pela gravidade desse corpo, ou começa a cair no “buraco” que esse corpo causa no tecido do espaço-tempo. Então para viagens interplanetárias é vital calcular a passagem por vários planetas no caminho para usar a força gravitacional como acelerador, economizando combustível, que é pura massa, e custa caríssimo para levar para longe das garras sempre famintas do nosso campo gravitacional terrestre.

É por conta dessa necessidade do uso de outros corpos que temos aquelas famosas “janelas” de oportunidade para alguns lançamentos. Isso se dá porque estava-se esperando um certo alinhamento adequado à rota do nosso objeto.

Outro detalhe vital desse assunto é como se faz para mudar o formato da órbita. Vamos dizer que nosso objeto esteja orbitando circularmente a Terra acima do equador, e que vamos agora acionar os motores para levar esse objeto à Lua. Um piloto de fórmula um trataria de olhar a Lua, apontar o nariz do bólido para ela e acelerar com tudo. E muita coisa aconteceria, menos a chegada à Lua, a não ser que nosso piloto fosse muito sortudo. Um astronauta saberia que para se chegar à Lua é preciso deformar a órbita, transformando o círculo numa grande elipse que permitiria o encontro entre nosso objeto e a Lua, para uma transferência de órbitas. Nossa nave deixaria de orbitar a Terra para passar a orbitar a Lua. Como fazer isso?

Bem, é contra-intuitivo mas funciona: o astronauta deve acelerar a nave na posição oposta à qual pretende que ocorra a transformação. Ou seja, se ele quer que a órbita se afaste da Terra acima do Brasil, deve acelerar a nave quando passar perto do Japão. Se essa nova trajetória estiver sincronizada com a da Lua, ambos se encontrarão no ponto mais alto da órbita e novos ajustes serão feitos para que nosso objeto passe a orbitar a Lua.

E o que aconteceria se o astronauta acelerasse demais, fazendo a órbita deixar de ser elíptica e ao mesmo tempo errasse a Lua? Bem, nosso objeto escaparia à órbita terrestre e se veria vagando velozmente pelo espaço, provavelmente sem o combustível necessário para desfazer o erro. E daí é só dar adeus ao nosso astronauta mesmo, porque o ar que ele tem não vai durar para sempre. É um treco perigoso mesmo.

Quam quiser ver isso de perto, com a mão na massa, pode usar o divertido jogo Kerbal Space Program, que aparece na segunda imagem.

Tem até uns homenzinhos verdes para os que sentiram falta de ET´s nessa história.

Ad Astra, pessoal. (Para as estrelas!)

Obs — esse texto se chama Ad Astra 2 porque tenho certeza de que já escrevi um com esse título. 😀

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