Breve resumo da Disputa pelas Eleições — Fase 1
(Eduardo Vieira — 04/jan/2023)
Este nem tão breve texto se destina a registrar de forma geral minha percepção sobre o período eleitoral brasileiro e a disputa grosseira pelo poder que culminou com a subida do bandido condenado à presidência da república. Assim fechamos o que chamo aqui de fase 1, quando todos abraçaram o conceito de solução terceirizada através das forças armadas e da ordem presidencial de restauração da ordem, seja por sabe-se lá que expediente burocrático.
Houve o teatro chamado de eleições, com o único desfecho possível assegurado por aqueles que fazem, de forma opaca, a contagem dos votos. A improvável vitória do bandido, detestado pelo povo, incapaz de juntar mil pessoas em quaisquer circunstâncias, acabou sendo decretada pelo órgão responsável pelo teatro, cujo presidente era e é opositor declarado do então presidente Bolsonaro.
O teatro foi plenamente percebido, registrado e comprovado com todas as suas variações e possibilidades. Foi uma maracutaia em diversos níveis, criada e executada para não deixar nenhuma possibilidade de falha. Ressaltamos aqui que este mesmo povo já apontava a existência de maracutaia similar nas eleições de 2018. Mas daquela vez o sistema não foi capaz de fazer frente à acachapante votação do outsider Bolsonaro. Desta vez, todavia, o sistema sabia o que esperar e se ajustou, obviamente.
Com a declaração sui generis de vitória com votos e sem povo do bandido, o povo brasileiro evidentemente reclamou e iniciou um protesto por várias cidades do país. Aqui a coisa começou a complicar.
- Os diferentes sabores de uma direita imberbe -
É preciso que observemos que a direita está longe de ser um grupo fechado e uniforme de pessoas. Eu, por exemplo, pregava a indignação popular direta como forma de colocarmos ordem na casa e revertermos a paródia que nos foi imposta. Bastante gente achou o conceito interessante. De fato, é a única forma de realmente fazer mudanças com alguma garantia de sucesso.
Mas aí entrou em cena um povo que tem outra agenda. Uma turma que sempre quis, desde as primeiras manifestações populares em defesa dos nossos valores, a ascensão de uma junta militar para controle do país. Sem Bolsonaro, diga-se de passagem. Essa turma sempre estava presente noas manifestações, com um carro de som que era praticamente ignorado por todos. Nós os chamávamos de “intervencionistas” então.
Naquela época estávamos lutando por pautas especfícias e pela subsistência do Bolsonaro na presidência. Tivemos sucesso. Grande sucesso, aliás, que não foi usado no fim das contas.
Depois que ficou claro até para o mais pacífico dos brasileiros que os donos do poder não iriam permitir nenhum passo democrático a mais na base da conversinha, os intervencionistas começaram a gritar bem alto que era necessária a presença de todos na frente dos quartéis. Não era necessariamente máidéia e poderia funcionar, eu mesmo pensava na ocasião. Não é exatamente como disputas de poder são resolvidas mas havia esperança justificada na ocasião.
A coisa começou a me parecer estranha quando vi uma postura cada vez mais agressiva e autoritária de alguns auto-entitulados “líderes” de acampamentos. Soube de excessos ocorrendo e SP e eu mesmo presenciei diversos absurdos no RJ. A antipatia, grosseria e falta de visão dessa turma contribuiu efetivamente para que o número de pessoas nas manifestações diminuísse sensivelmente. Era então proibido falar até em Bolsonaro, sob a alegação de que isso poderia prejudicá-lo. Ao mesmo tempo falava-se em colocar o Mourão como presidente, novas eleições sem os candidatos anteriores e outras barbaridades similares.
Presenciei tal comportamento in-loco enquanto discursava em carros de som. Uma turma pequena, raivosa, desonesta, ignorante ao extremo e cheia da disposição dos mobilizados sem substância. Não há nada de bom a sair desse grupo. É muito bom que saibamos disso e que tratemos de fazer a seleção de nossas fontes o quanto antes. Fiquem de olho, eles ainda estão fazendo bastante barulho poruqe não querem perder o pouco de poder que conseguiram conquistar.
Aqui cabe um pequeno aviso para aqueles habituados a análises dicotômicas onde existe sempre um mito ou um traidor. Conheço muita gente ótima que frequentou e acampou na frente dos quartéis. Não generalizem pois estou deixando claro aqui que não estou fazendo isso.
A gritaria desse grupo venceu e o discurso passou a ser o sofrível e vazio “SOS FFAA”. E ai de quem pretendesse sofisticar a coisa. Era importante que ninguém se aprofundasse ou acrescentasse conteúdo. O medo de redução de protagonismo era palpável e fedorento.
Influenciadores desonestos começaram a fazer o que ficou conhecido como “tic-tac”, lançando mentiras, conjecturas apresentadas como verdade comprovada para manter um público fiel (e pagante) em suas páginas, sempre vendendo a solução logo ali adiante. Mais uma vez, nem todo mundo agia com desonestidade. Muitos acreditaram honestamente nas narrativas e alguns acreditam até hoje. Nessa época eu procurei fortalecer o movimento ao máximo sem vender mentiras ou ilações como fatos. Mas minha preocupação era dar suporte emocional aos manifestantes. Era preciso que vencêssemos essa disputa.
Bolsonaro aparentemente tinha acreditado nos péssimos conselhos de seus assessores, que pelo visto jamais pararam para fazer qualquer pergunta a nenhum dos vários especialistas no assunto eleições, que lutavam furiosamente para alertar o governo dos riscos e falhas do processo. O presidente então deve ter sido levado a crer que um esforço extra de campanha seria suficiente, num movimento conhecido como “vira-voto”, para fazer frente a quem tinha o poder da contagem dos votos. Eu mesmo falei muito sobre isso mas infelizmente não nos ouviram da forma adequada. A incompreensão dessa demanda não se restringiu ao presidente. TODOS os parlamentares de direita falharam barbaramente em identificar essa pauta na plenitude de sua importância. De fato, nada chegava perto desse tema em importância mas o destaque era dado a outras esferas, enquanto permitia-se que o jogo tivesse um único dono da bola. A História não haverá de esquecer dessa falha. Faltou humildade e sabedoria. Que, diga-se, continua faltando.
Surpreendido então pelo que considerava uma impossibilidade, Bolsonaro viu-se com um cenário funesto à frente. Isso impactou seu emocional fortemente, pois estava despreparado (pela provável falha de seus assessores) para essa possibilidade. Apareceu um quadro feio de Irizipela, que se manifesta em momentos de grave tensão. Fez-se um duro silêncio de dias.
Durante esse silêncio eu gostaria de poder dizer que nosso povo teve um comportamento exemplar, que se manteve firme e forte. Mas não estou relatando isso para ganhar seguidores. Estou registrando o que percebi desse momento duríssimo da nossa história. Enquanto o povo permanecia em seus postos, mostrando ao mundo a maior manifestação cívica da história desse planeta, nas redes corria um verdadeiro incêndio de fake news. Algumas incrivelmente grosseiras mas mesmo essas replicadas ferozmente por uma turma que passou a extrair disso um tipo de diversão bizarra, mesclada com uma sensação de pertencimento a uma luta em que não poderiam atuar diretamente. Compreensível mas catastrófico e cabe aqui, acima de tudo, um mea culpa coletivo. A direita errou feio em se deixar dominar pela emoção rápida de uma expectativa criada obviamente por safados. Novamente, faltou humildade. Teve gente querendo liderar antes de saber para que lado fica o Norte. Levei bronca de senhoras que jamais leram um único livro de história militar mas me apontavam o dedo dizendo que sabiam mais que eu sobre os riscos de uma invasão colombiana, ou a famigerada “descida do morro” a ser efetuada pelos mercenários sei lá de onde que estariam escondidos aos milhares nos morros cariocas, prontos para tomar o poder e aterrorizar a população. Imagino que a essa altura esles estejam embarcando de volta para seus lares, em discos-voadores invisíveis. Faltou mesmo humildade. E essa sei que continuará faltando, pois é uma jóia tão preciosa quanto rara.
Todo esse incêndio de notícias falsas minou a credibilidade das informações na direita. Deve ter sido essa a intenção da maioria dos criadores dessas mentiras. A direita se desgastou tremendamente.
Durante esse tempo houve uma tentativa robusta de reorganizar um tabuleiro que já se mostrava perdedor. Os queridos patriotas do grupo Hipócritas se levantaram na tentativa de engrossar a causa. Foram duramente atacados pelos “intervencionistas radicais” e por aqueles que caíram nessa narrativa (conheço vários amigos que o fizeram com força). Mesmo assim, lograram relativo sucesso. O cenário estava posto para o desfecho espetacular, histórico e verdadeiramente divino.
- O papel de Jair Bolsonaro —
Neste momento, recomendo uma grande dose de concentração. Gosto muito do Bolsonaro, o tenho como um amigo que não conheci pessoalmente. Ele fez muito nesses quatro anos e não sou cego a isso. Todavia sei que a única criatura à prova de falhas é Deus e não pretendo igualar nenhum homem a Ele.
Nesse momento crucial da história do Brasil, quando o povo estava, em peso, em compasso de espera, às ordens de seu líder, Bolsonaro não assinou o decreto que esperávamos. Infelizmente, será por esse momento que a História se lembrará dele.
Muita gente diz que ele foi traído pelas forças armadas. Mais precisamente por alguns indivíduos do alto escalão. Sim, eu concordo com isso. Não citarei nomes aqui mas existe ampla justificativa para que pensemos isso.
Todavia, tal coisa não apaga o erro dele, por mais duro que seja para eu mesmo admitir.
Este era o momento de um estadista fazer a diferença com a força de sua personalidade. Era o momento de se pagar para ver, de se encarar a besta de frente. Era uma oportunidade única, de ouro.
Quando Churchill teve que agir ele não encontrou apoio em seu próprio gabinete. Ele então atropelou os relutantes com a força de sua vontade e forçou-os à obediência.
Um exemplo menos nobre mas cabível foi a colocação de Stálin no poder após a morte de Lênin. Presumia-se que o tosco bigodudo seria facilmente manipulável. Mas o tosco matou todo mundo, incluindo 85% dos seus oficiais, e se enraizou no poder tornando ainda pior a já horrível ditadura comunista.
Bolsonaro poderia, e ao meu ver deveria, ter dado o comando, seja lá sob que circunstâncias. Sendo comandante das forças, ele deveria mandar. Os generais que obedecessem. Eu queria ver se teriam coragem de prender o presidente mais popular do planeta, no momento crucial, com dezenas de milhares de apoiadores acampados logo ali pertinho e alguns milhões a um dia de distância. Realmente, duvido.
Mas, dirão, me admoestando, que eu não estava na pele do presidente, que eu sou um mero professor e que não sei nada da realidade. Pois é bem verdade. Da minha boca sai apenas minha visão dos fatos e procuro a verdade com honestidade e sabendo das dificuldades do processo.
Essa é a minha visão atual. Bolsonaro teve uma oportunidade de ouro e a perdeu. Não só a perdeu mas demorou todo o tempo possível para gerar essa definição, mantendo o povo parado em estado de espera. Essa demora é menos fácil de se perdoar que a própria inação. Enfim, está aqui o registro. Não deixo de, pessoalmente, gostar desse sujeito que se dispôs a enfrentar o sistema e perdeu muito por isso.
Os que não tolerarem a livre expressão dos pensamentos, não se acanhem em sair de perto, até porque me fazem um grande favor. Não gosto de frescuras, nem de radicalismo tacanho. Gosto de honestidade e cordialidade. Falaria tudo o que escrevi aqui amigavelmente para o próprio Bolsonaro, sem hesitação. Acho que a exposição honesta da verdade seja a maior ajuda que se pode fornecer a qualquer um.
Agora, sigamos na acumulação de amigos, falando dos nossos congressistas.
- Os parlamentares da era Bolsonaro nessa Disputa -
Bom, começo esse trecho dizendo que gosto muito de vários dos nossos parlamentares. Alguns considero como amigos, apesar do pouco contato. Isso não me impedirá de falar o que deve ser dito. O preço da vida pública é esse, ser julgado pelas ações ou inações nessa esfera, independente do lado pessoal.
Durante a campanha era fácil observar que os grandes nomes da direita seriam facilmente reeleitos. Ao término do primeiro turno fiquei de olho para ver como iriam se comunicar com o povo. Era de meu interesse particular a percepção que exponho abaixo.
Nossos parlamentares nunca foram capazes de se opor à força da máfia que comanda o país. Digo isso sem julgar necessariamente o mérito. É bem provável que tal coisa tenha se tornado impossível pelo sistema. O problema aqui é outro. Trata-se da percepção dessa realidade, mais uma vez condicionada por aquela bela e rara virtude, a Humildade.
Esperei, em vão, que algum dos federais ou senadores eleitos viesse a público para nos alertar para não contar com eles na oposição, pois seriam incapazes de fazer frente a um executivo irmanado a um judiciário já comprometido. Não percebi tal declaração a não ser uma bem tardia, proferida pelo novato Gustavo Gayer. Antes tarde do que nunca, sem dúvida. Mas qual teria sido o efeito no segundo turno se a idéia de “um congresso tremendamente conservador, que faria uma dura oposição ao governo do molusco” se revelasse falsa logo de cara?
Não tenho nenhuma dúvida de que faria uma parte do eleitorado considerar o voto com mais atenção. E ainda, faria com que o povo olhasse para as manifestações com muito mais vigor.
Agora teremos que ver essa capacidade na prática. Eu não tenho nenhuma dúvida sobre o resultado efetivo mas sempre desejo estar errado nas minhas previsões pessimistas.
O que mais me entristeceu nesse grupo foi a extrema parcimônia com que se referiram às manifestações. Alguns sequer as citaram, algo realmente bizarro. Mais uma vez uma narrativa ficou no caminho, a de que parlamentares não poderiam ser associados às manifestações. Isso não me convence de forma alguma. Parlamentares são representantes do povo e deveriam declarar publicamente seu apoio ao povo. Pois lá estavam seus eleitores, acima de tudo. Aqui me parece que faltou, ao menos a alguns, coragem. É duro viver numa ditadura como a que encaramos agora e isso eu compreendo. Mas precisamos registrar o que de fato aconteceu.
Finalmente critico a falta de ímpeto, de insistência e de força na denúncia da maracutaia eleitoral. Num sistema sem comprovação material do voto esperar uma prova material é um contrassenso dos piores. E todos os que acompanharam o processo sabem que há dezenas de indícios estatísticos e factuais mais que suficientes para se atacar duramente a integridade do processo. E assim, entre uma concessão e outra, entre um temor e uma fraqueza, o Brasil foi entregue nas mãos dos que pretendem destruí-lo.
Lamento pelas críticas. Sei do esforço feito por todos, ou ao menos imagino. Mas perdemos a mais importante das disputas e agora não é hora para loas mas para tentarmos entender onde erramos. Assim, poderemos melhorar.
- A Fase 2 —
Mas nem tudo é tristeza e crítica nesse relato. Durante os últimos anos o povo brasileiro adquiriu singular interesse pela política, ganhou muita musculatura cultural e se aproximou ainda mais de Deus. Temos amplas razões para imaginar que ainda teremos ao menos mais uma rodada nessa vital disputa de poder.
Do jeito que o novo e fétido governo está agindo, é bem capaz de conflitos surgirem muito rápido, especialmente entre os que agora riem da sua imerecida vitória. Enganam-se aqueles que imaginam que exista amor entre os políticos da esquerda ou mesmo entre os fisiológicos. A esmagadora maioria é composta por psicopatas sem qualquer freio moral e essa crueza se aplica às suas disputas internas. Numa briga entre Alien e Predador eu torço pelos hematomas.
De toda forma é tempo para nos organizarmos em associações e institutos, visando disputar duramente todo espaço aberto possível. Temos que fortalecer as nossas bases individualmente, olhando nos olhos dos nossos aliados.
Temos que virar esse jogo. Evidentemente, não conseguiremos fazer nada pelas vias eleitorais em 2026, imagino que isso já esteja bem claro para todos. Muito menos devemos nos distrair demais com as disputas políticas no Congresso. Apesar de ser necessário expor todas as ações maliciosas e erradas do governo do bandido é preciso que isso não domine a comunicação da direita.
Que agora fique mais claro que nunca que precisamos de uma frente política mais ampla e mais variada que a que tivemos até aqui, Que a direita cresça em variedade.
Serão tempos difíceis, que todos possamos conseguir a elevação necessária para vencermos no final. Com a graça de Deus, sempre.