Dei Tempus (O tempo de Deus)
(Eduardo Vieira — 15/abr/2022)
Há meses venho tentando digerir uma percepção que tive após ler um trecho muito impactante de um livro sobre o Santo Padre Pio de Pietrelcina. Hoje me parece ser a data adequada para tentar expor esses pensamentos pois hoje lembramos do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz. Como minha mente é incapaz de açambarcar tal grandeza conceitual eu farei aqui apenas uma exposição da melhor forma que puder. Adianto que não sou teólogo nem filósofo. Não sou físico nem adepto de teorias quânticas. Sou apenas um indivíduo curioso e interessado. Dito isso, seguimos.
Primeiro contarei a vocês o fato que me causou esse pequeno despertar. Confesso que tal coisa não tinha me passado pela cabeça até então, não de forma concreta, firme, diferente de devaneios inconsequentes.
Trata-se de uma passagem onde São Pio é chamado por um acólito e avisa que estaria terminando de rezar para que a alma de seu pai não passasse pelo Purgatório. Confrontado com o fato de que seu pai havia falecido há décadas e, portanto, já teria passado esse tempo expiando seus pecados, se fosse essa a sua sina, o santo respondeu assim. Disse ele ao acólito que o tempo de Deus é diferente do nosso. Assim, é possível que, pedindo hoje, Deus transmita esse pedido ao que chamamos erroneamente de passado, causando um efeito real naquele momento.
Somos criaturas tridimensionais e presos a uma estrutura linear de passagem de tempo. Mas pela percepção do São Pio, a coisa não funciona exatamente assim. Então, como funcionaria? Como seria a realidade completa? O que se segue é uma proposta minha, tão somente, de encaixar o que São Pio revelou, considerando ser sua percepção verdadeira, coisa que considero.
Antes disso, vamos dimensionar a dificuldade da empreitada para que todos tenham não só a paciência em compreender a impossibilidade linguística de descrever tais coisas como também, se possível, reinterpretar o conteúdo e tentar clarear o que seguramente vai parecer confuso.
Imaginem que fôssemos criaturas bidimensionais apenas. Caminhando no nosso único plano perceptível, ao chegarmos a uma parede veríamos apenas uma linha bloqueando nossa passagem. Incapazes de olhar para cima, de sequer percebermos uma terceira dimensão, toda parede vira linha, seja de que altura for. Uma esfera apoiada nesse plano é um ponto, mesmo que seja do tamanho de Saturno. É de quebrar a cabeça. Mas sigamos.
Deus, então, não está preso à linearidade temporal. Penso que ele vê a totalidade da Criação instantâneamente e constantemente. Do instante da Criação ao Apocalipse, Deus viu tudo ao mesmo tempo. Tdo já aconteceu para Ele, mesmo o que chamamos de futuro. E, portanto, sombras e pistas de momentos distintos na linha temporal puderam vazar a momentos anteriores, alimentando, por exemplo, os profetas.
Parece complicado coadunar isso com o livre arbítrio mas não me parece realmente nada impossível. O que eu farei amanhã será passado semana que vem, e Deus olha o hoje, o amanhã e a semana que vem, tudo de uma vez só.
Essa liberdade temporal no campo metafísico ou transcendental abre interessantes possibilidades, se pensarmos por exemplo no modelo jungiano da “sopa de pensamentos” que eventualmente interfeririam na realidade. Podemos inferir que tal “sopa” conteria toda a realidade e portanto estaria à disposição do investigador competente. Se podemos usar o acesso a essa “sopa” para olhar o passado seguramente poderíamos olhar para o futuro, se Deus permitir.
Então através dele podemos salvar as almas de nossos antepassados e também aprender com o que já aconteceu no que chamamos de futuro. E quem sabe dar uma mãozinha nisso também.
Existem alguns sólidos indícios de que essa idéia não é de todo alucinada, como pode estar aparecendo ao leitor. :) Observem que não nego que estejamos presos ao fluxo temporal linear no mundo material. Estou sugerindo que tal restrição não ocorre no plano superior e ainda pouco explorado da nossa consciência, do nosso pensamento e dos vários elementos disponíveis na realidade ainda indetectada, que é o que chamamos de metafísica.
Um outro aspecto dessa elucubração tem consequências ainda mais graves. Se na realidade “de verdade” o tempo não é linear, então tudo o que aconteceu poderia acontecer o tempo todo. Se não há verdadeiramente passado de fato é como se simplesmente tivéssemos passado, como se num trem, por um momento no tempo ao qual não podemos retornar mas que ainda está na realidade, acontecendo para sempre. E daí vem o que conecta essa ilação com o dia de hoje.
Se o passado não existe e acontece sempre na realidade transcendental, mesmo que apenas para Deus, se Cristo é Deus, ele pode estar todo esse tempo na Cruz, na realidade mais ampla. Não venham me agredir por teologia, não estou sugerindo nada, só pensando alto. Padre Pio sofria as chagas de Cristo, era-lhe doloroso e ele sangrava de forma impossível para a resistência de qualquer humano. Pois ele pediu a Deus que lhe fosse permitido dividir o sofrimento de Cristo. E qual seria o sentido em tal pedido se a Paixão de Cristo estivesse num passado acabado e desconectado da Realidade?
Dessa forma, no plano superior, que definitivamente não me arrogo aqui a mera sugestão de compreender, Cristo não estaria de alguma forma sofrendo todos os dias por nós, passando por tudo aquilo num dia que, como todos, nunca deixa o reino da Realidade? Isso dá o que pensar e me fez desde então rezar pela suavização do sofrimento d’Ele, de todas as formas.
Deixo aqui essas considerações para vocês, na esperança que mentes mais preparadas eventualmente desenvolvam, expliquem ou sepultem isso tudo.
Finalizo dizendo que não tenho a menor intenção de ofender qualquer crença religiosa nem muito menos ferir a liturgia do Catolicismo, que é a minha Fé.
Fiquem com Deus.