O Jovem, o Velho e a Ovelhinha

Eduardo Vieira
3 min readOct 21, 2019

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(Eduardo Vieira — 21/out/2019)

Era uma vez um Jovem que cresceu numa pequena casa numa pequena vila. Um dia a casa não o coube mais e ele teve que sair.

No mundo, viu muitas cenas, viveu muitas aventuras, amou e cresceu, enfrentou muitos obstáculos e desafios e sobreviveu às derrotas e às quedas.

Mas sempre seguiu caminhando. Vez por outra uma pequena luz se acendia em sua mente e parecia o impelir a prosseguir na sua jornada. E ele assim o fazia pois o chamado era belo e verdadeiro.

E assim foi por muitos anos até que ele envelheceu. O Velho então, muito cansado e enfraquecido por muitas semanas sem uma refeição que o sustentasse, viu uma pequena Ovelhinha caída na beira da estrada, ao pé de uma pequena encosta.

O Velho olhou para a Ovelhinha e viu que ela respirava. Mas estava ferida e fraca. Mas estava mais fraca que o Velho. Ele suspirou e deitou sua trouxa ao lado do animalzinho. Tirou seu manto da trouxa e cobriu o bichinho, que tremia de frio. E saiu para buscar vegetais e madeira para um fogo.

Duvidava que a Ovelhinha aguentasse aquela noite que se acercava ali, ao relento e com frio. Suas juntas gemiam e reclamavam enquanto se abaixava para pegar as ervas e os galhos secos. Os joelhos o doíam enquanto procurava os meios de sustentar a Ovelhinha. De si, esqueceu. Talvez para se defender da frustração de não encontrar nem um cogumelo para ensopar, ou para fugir do pensamento de mais uma noite de fome. Mais galhos, mais ervas, pensava.

Voltou para junto da Ovelhinha e a alimentou. Ela o olhava com olhos assustados mas não tremeu quando o Velho ajeitou o manto que a aquecia. O Velho então acendeu um pequeno fogo e suspirou mais uma vez. A noite já caía. Se arrumou como pôde e adormeceu para um mundo de sonhos entrecortados por fome e sede.

No dia seguinte foi acordado por um barulho ao seu lado. A Ovelhinha se punha de pé, tropegamente. Ainda exausto, sem forças nem para levantar a cabeça, viu a Ovelhinha cambalear para longe. Um pedaço longínquo do seu coração sentiu uma aguda dor que nem ele compreendeu. Talvez a Ovelhinha estivesse obedecendo a instintos simplórios, talvez algum homem tivesse sido violento com ela ou seus pais. O Velho não sabia.

A Ovelhinha se afastou. Ao longe, deu mais uma olhada para trás, fitou o Velho, deu um balido e foi-se embora. O Velho não pôde deixar de chorar uma preciosa lágrima que teria sido muitas se ele tivesse forças. Mas no estado em que se encontrava, apenas uma lágrima foi o que pôde dar para seus sentimentos.

O que continha aquela pequena lágrima nem ele sabia. Alegria pela recuperação da Ovelhinha, orgulho por não tê-la matado e comido, tristeza pelos erros e sofrimentos do passado, abatimento pelas agruras do presente? Quem pode saber o que forma uma lágrima?

Tinha que se levantar, ele sabia. Ficar ali seria o fim. Num esforço hercúleo ele se levantou. Pegou a trouxa e pensou no absurdo de como um esforço tão pequeno quanto se levantar poderia ser tão grande quanto a vida. Deu uma risadinha na sua mente pois faltavam-lhe as forças para sorrir, e deu um passo.

Depois, mais outro, arrastado e exausto. A vertigem o atingiu e quase caiu. Balançou a cabeça e fechou os olhos, respirando fundo. Lá no escuro de sua mente brilhou mais uma vez a Luz, e ele sentiu enfim alguma força. Tinha que prosseguir.

E prosseguiu.

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