Por quê?

Eduardo Vieira
7 min readAug 18, 2022

--

(Eduardo Vieira — 17/Ago/22)

Um dia me perguntarão o porquê. Aliás um porquê que se divide em vários.

Por que você se afastou do meio corporativo e abraçou um formato inexistente de trabalho, uma loucura que o obrigou a abrir seu próprio caminho?

Por que parar de trabalhar com informática e mudar para ensino de crianças e jovens em certas áreas e de adultos em outras?

Por que se expor tanto na defesa de valores que só fará alguma diferença se alguns milhões de brasileiros fizerem o mesmo?

Por que falar verdades tão duras que afugentam amigos e fecham portas?

Por que dedicar tanta lealdade a pessoas que não podem retribuir?

Por que insistir depois de tantos fracassos financeiros?

Por que não se curvar à mediocridade extrema (ficou engraçada essa expressão) e abandonar essa idéia antiquada e pretensiosa de santificação?

Por que não aceitar o modus operandi “normal” e se enquadrar numa sociedade cada vez mais decadente e detestável?

Por que não desistir de amar que nem criança?

Por que seguir brincando e rindo enquanto a espada de Dâmocles balança insidiosamente sobre sua cabeça?

Por que gritar para a tempestade e rir na cara dos vagalhões?

Por que amar a Deus sobre todas as coisas? No século XXI??

A resposta é tão gostosa que vou saborear esse momento de pura alegria. Mas antes quero que entendam que existem outros porquês que me fazem parecer bem menos formidável e bem mais medíocre. E bem mais próximo da realidade. Eu escolhi bem os que expus aqui porque não se trata de um texto de auto-análise mas de celebração do Bem que se encontra em cada um de nós.

Agora vou responder.

Porque chegou uma hora em que eu percebi que ser uma engrenagem perfeitamente dispensável numa máquina que ultimamente não produzia nenhum bem visível simplesmente não me realizava mais. Preferi trocar a riqueza pela vocação. Se eu sobreviver a esse processo talvez ainda veja frutos materiais mas posso garantir que já vi muitos frutos pessoais que não trocaria por nada.

Porque não é razoável esperar que o resultado de um combate se torne inevitável para que então se entre nele. Assim agem os covardes e esse é um adjetivo que eu não quero que conste no meu epitáfio. Se poucos acudirão à brecha, quero estar entre esses ainda que o risco seja maior. De fato, pouco me preocupa o resultado da batalha. Preocupo-me em me manter sempre o mais próximo possível do seu centro nevrálgico, onde poderei causar maior prejuízo ao Inimigo. preocupação com sobrevivência é mais que uma futilidade, é uma estupidez.

Porque um homem tem que se amarrar à verdade. Esta pode ser suavizada com retórica mas se seu cerne afugenta os demais é preciso que esses um dia reconheçam o valor daqueles momentos difíceis quando foram expostos ao que é de fato real nesse mundo. E talvez velhos abraços voltem a ocorrer, e gargalhadas soarão mais uma vez como se nunca tivessem deixado de soar.

Porque a lealdade em sua essência é justamente fazer o Bem sem esperar nada em troca. Que figura triste seria eu se desistisse do que é claramente o caminho correto apenas por ferimentos que afetam tão somente meu ego? Para a elevação é necessária acima de tudo a vontade. Esta deve sobrepujar as frescuras do ego, os apelos do coração e a feiúra do orgulho. Ser leal é estar na escola da humildade e esta é uma virtude grande, gigante e belíssima. Aceitar o que pode doer em troca de caminhar na senda da humildade é o melhor dos negócios. E eis que no final, como Deus parece realmente gostar, se revela a maior das recompensas. E eu que me achava altruísta por conta disso. Ha! Mais um golpe no ego, para que ele aprenda o seu lugar. Deus é bom demais.

Porque a vida e sua medida de sucesso não podem jamais se resumir aos bens materiais. Isto é o maior dos absurdos dos nossos tempos. Quanto vale a conversão de dois amigos na qual participei direta, ainda que irrisoriamente? Quanto vale a diferença que fiz, mesmo que extremamente pequena, na vida de tantos alunos que passaram meses ou anos expondo suas dificuldades e seus dramas? E mais que tudo isso, muito mais: quanto vale o sorriso de uma criança? Quem trocaria o maior dos reinos pela capacidade de fazer crianças rirem, felizes? Só um homem muito pobre. Creio que desse mal eu tenha escapado.

Porque aceitar o lixo que nos é imposto hoje me é simplesmente insuportável. Com a graça que tive em poder escorar minha formação em literatura tornei-me inapetente ao lixo que chamam hoje de cultura pop. Aqui mais uma vez tenho provas cabais da máxima de que Deus escreve certo por linhas tortas e de que devemos sempre confiar Nele. O que me trouxe a esse bom caminho foi o sofrimento e morte de meu próprio pai, quando eu tinha apenas 13 anos e ele, 38. Quando eu iria imaginar o outro lado dessa moeda tão pesada? Quanto não desejei que tal caminho me fosse negado? Neste caso confesso que ainda desejo mas estou bem resignado. Tornarei a vê-lo amanhã, tenho certeza, se eu conseguir errar menos um dia e Deus me abrir aquela diminuta portinha. Podemos sempre sonhar. E sonho com a santificação, que Deus me perdoe a soberba.

Porque só assim eu sei amar. Bobo, risonho, sonhador até a raiz dos cabelos e exuberante nas demonstrações. Como uma andorinha alçamos vôo, os que como eu assim amam. Da Terra à Lua em dois minutos, nas asas inebriantes das lentes mais otimistas que a Humanidade pode conceber. Claro que tal método é algo imprudente e a queda de tais alturas pode ser insuportavelmente dolorosa. Mas sobrevivi até aqui, o que nos leva ao cerne dos porquês. Mas isso será revelado lá no finalzinho. Paciência, outra virtude que eu mesmo não domino mas imponho sobre o leitor, nesse arroubo tirânico que é escrever.

Porque brincar e rir é seguir os comandos de Deus. Enquanto aqui estiver usarei minha vontade, a cada dia mais fortalecida na forja das dores do mundo, para afastar os véus de tristeza e desespero que sempre tentam cair-me nos olhos e manter a visão brilhante, clara e perfeitamente cônscia do mais generoso dos presentes de Deus, a minha vida. Portanto brinco e rio, ainda que a areia movediça me bata no queixo. Seguirei assim até o fim porque quero.

Para o que acabei de dizer é preciso olhar na cara da tempestade e rugir mais alto que ela. Eu sou EU. Tenha você medo de mim, mera tempestade. Quem irá me desafiar e pensar em vitória? Enquanto Deus estiver dentro do meu coração eu não temo nada nem ninguém. Temo apenas que falhe com Ele. Talvez isso seja uma forma de coragem, não sei bem. Sei que é puramente lógico e visceralmente necessário para que eu seja quem eu quero ser. Não há lugar para passividade na vida de quem deseja ascender acima da categoria de verme. Essa é uma das minhas menos humildes aspirações. Espero chegar lá, antes da cada vez menos indesejável garra da Morte se fechar em meu coração.

E chegamos à resposta final, que é muito apropriada pois bastaria ela para responder a tudo. Mas concisão nem sempre é uma virtude. Pensem num churrasco e verão que tenho razão. Amar a Deus sobre todas as coisas. Aqui está a fórmula do Bem. É claro que eu, tendo me tornado menos imbecil com o passar dos anos, eventualmente chegaria a conseguir perceber essa enorme Verdade. Entender isso e não seguir é mais absurdo que achar que se sair pela janela do décimo andar não vai cair. Como sei que cairia, sigo essa Verdade com todas as minhas forças. Essas são tão pífias, apesar dos meus rugidos anteriores, que me vejo com desagradável frequência no confessionário, repetindo “de novo, de novo…” Aquela porta parece estar cada vez mais estreita. Tenho que dar um jeito nisso enquanto é tempo.

E finalmente chegamos ao fim desse tratado meio desconexo, do qual espero que o leitor extraia algum valor e algum sentido. A herança. O que quero deixar da minha vida, senão um humilde exemplo de como certos aspectos da nossa jornada podem ser belos, alegres, entusiasmados e amigáveis? Se minha existência servir para encher minhas filhas de amor, proteção e virtude e ainda inspirar algo de bom em alguém, o que posso querer mais? Nenhum busto de pedra em nenhum pátio de mármore me seduziria para abandonar essa minha grande ambição. Ou ao menos espero. Nunca me ofereceram tal tentação. Prefiro que enquanto minha carcaça estiver se metamorfoseando em matéria orgânica básica meus amigos se lembrem de mim com doçura, com carinho e com uma salutar dose de saudades. E que minhas filhas se lembrem de mim com amor e com a certeza de que foram tão amadas quanto era possível em meu humano e imperfeito coração. E que as pessoas que toquei guardem um pensamento amigável vez por outra, até que o esquecimento cubra meus ossos e minha existência desapareça em definitivo desse planetinha.

E nesse momento eu estarei ainda, infelizmente, procurando aquela portinha tão estreita, na qual hei de entrar finalmente, com a graça de Deus.

E então, e somente então, tudo isso terá valido a pena.

--

--

Eduardo Vieira
Eduardo Vieira

No responses yet